Uma pesquisa divulgada na quinta-feira reforça um alerta que vem sendo feito por especialistas e tem preocupado os pais: o alto uso de cigarro eletrônico por adolescentes. Segundo o terceiro Levantamento Nacional de Álcool e Drogas - realizado pela Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e financiado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública -, 8,7% dos jovens de 14 a 17 anos utilizaram vape, como o dispositivo é chamado, no último ano no Brasil.
Vice-presidente da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (Soperj) e pneumopediatra do Instituto Fernandes Figueira (IFF), da Fiocruz, Patrícia Barreto explica sobre os diversos riscos para a saúde dos adolescentes trazidos pelo consumo do cigarro eletrônico, que tem a venda proibida no país.
Quais são os principais riscos para saúde de adolescentes que fazem uso do vape?
Os cigarros eletrônicos oferecem sérios riscos à saúde dos adolescentes. Entre os principais, destacam-se a dependência química precoce, danos pulmonares agudos como a EVALI (lesão pulmonar associada ao uso de vape), problemas cardiovasculares, além de uma maior propensão ao uso de outras substâncias psicoativas. Os jovens que usam vape têm maior chance de migrar para cigarros tradicionais, álcool e drogas ilícitas.
Quais são as principais doenças que podem impactar a vida dessas pessoas?
Doenças pulmonares graves como a EVALI e pneumonias lipoídicas podem evoluir para insuficiência respiratória e morte. Além disso, há relatos de infartos e AVCs precoces em usuários intensivos de cigarros eletrônicos. Em adolescentes com asma, o uso de vape pode desencadear crises graves. A exposição contínua também aumenta o risco de desenvolver Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) de forma precoce.
Além dos riscos respiratórios e cardíacos, os cigarros eletrônicos podem causar danos ao desenvolvimento cerebral dos jovens?
Sim, o uso de nicotina na adolescência afeta diretamente o desenvolvimento cerebral. A substância interfere nos circuitos neurais responsáveis por atenção, memória, tomada de decisões e controle emocional. Isso pode resultar em menor desempenho escolar. O cérebro em desenvolvimento é particularmente vulnerável aos efeitos neurotóxicos da nicotina.
A saúde mental também pode ser comprometida?
Certamente. Há uma associação clara entre o uso de vape e o aumento nos índices de ansiedade, depressão, irritabilidade e insônia entre adolescentes. A própria dependência gera um ciclo de abstinência e alívio que impacta negativamente o equilíbrio emocional e favorece quadros psiquiátricos.
Como a nicotina, que está entre as substâncias encontradas nos cigarros eletrônicos, pode atingir os jovens em fase de desenvolvimento? Existe risco de dependência nessa faixa etária?
A nicotina é altamente viciante, especialmente em cérebros em desenvolvimento. Basta um curto período de uso para que o adolescente desenvolva tolerância e sintomas de abstinência, como irritabilidade, ansiedade e dificuldade de concentração. A taxa de conversão para dependência nessa faixa etária é mais rápida e intensa do que em adultos, o que torna a exposição ainda mais preocupante.
Os cigarros eletrônicos podem conter propilenoglicol e glicerina, que irritam as vias respiratórias, além de metais pesados, como chumbo, cádmio e níquel, liberados pelas bobinas dos aparelhos. Também podem gerar formaldeído e acroleína, compostos cancerígenos. Em cartuchos não regulamentados, é comum encontrar THC e óleos associados a quadros graves de lesão pulmonar.
O que os pais podem fazer para evitar que seus filhos virem usuários?
O que pode ser feito para ajudar jovens que já se tornaram dependentes do vape?
O tratamento envolve uma abordagem multiprofissional. Terapia cognitivo-comportamental, apoio psicológico, grupos de apoio e, em alguns casos, tratamento medicamentoso podem ser indicados. O mais importante é acolher o adolescente, evitar julgamentos e buscar ajuda especializada o quanto antes.
As escolas têm um papel educativo e protetor. Devem implementar programas de prevenção desde os primeiros anos, promover campanhas informativas, envolver profissionais da saúde e estabelecer regras claras contra o uso de substâncias. O ambiente escolar também deve ser seguro para que o jovem possa falar sobre suas dificuldades sem medo de punição, fortalecendo vínculos e construindo consciência crítica.
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