As pessoas que vivem em países de renda per capita mais alta e menos desigual são as que mais condenam o excesso de riqueza como algo moralmente questionável, de acordo com um novo estudo. O curioso é que essa relativa desaprovação não parece estar muito ligada a um senso de justiça, mas sim ao que os psicólogos chamam de "pureza" -como se o dinheiro em excesso tivesse uma espécie de efeito poluidor sobre o ricaço.
A conclusão vem de um estudo publicado recentemente no periódico especializado PNAS Nexus, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Assinado por Jackson Trager, da Universidade do Sul da Califórnia, e Mohammad Atari, da Universidade de Massachusetts em Amherst, o trabalho usou dados obtidos com 4.351 voluntários de 20 países.
Uma das bases do trabalho de Trager e Atari é a chamada MFT (Teoria dos Fundamentos Morais, na sigla inglesa). Segundo essa ideia, popularizada nas últimas décadas por pesquisadores como Jonathan Haidt, da Universidade de Nova York, as intuições dos seres humanos a respeito do que é certo e errado funcionariam com base na combinação de um pequeno número de fundamentos ou "sabores" morais.
Os cinco principais fundamentos seriam 1) o senso de cuidado com o próximo, 2) justiça, 3) lealdade (ao próprio grupo), 4) autoridade (o respeito aos superiores na hierarquia social) e 5) pureza (ou seja, a ideia de que é preciso evitar as coisas que nos deixam moralmente "sujos").
Há ainda alguns estudiosos que dividem o senso de justiça em duas partes: igualdade e proporcionalidade. A primeira está ligada à ideia de que todos deveriam ser tratados como iguais, enquanto a segunda tem um sabor mais meritocrático: cada um deve receber o que lhe é devido, abrindo a possibilidade de que alguém pode ser muito rico por merecimento, por seus talentos e esforço, por exemplo.
Sabe-se que existem diferenças culturais relevantes na ênfase dada a cada um dos fundamentos morais. Culturas ocidentais, com nível mais alto de educação formal e secularizadas (com pouca influência das religiões), tendem a enfatizar o cuidado e a justiça, enquanto em regiões como a Índia e o mundo islâmico as ideias de lealdade e pureza costumam ser relativamente mais fortes. Isso explica a importância de uma amostra multicultural como a do estudo.
No novo trabalho, a dupla de pesquisadores usou questionários com uma série de perguntas voltadas para estimar, com base na MFT, quais eram as posições morais de cada população. Também estimaram a religiosidade dos participantes (numa escala de 0 a 10) e sua inclinação política (mais à direita ou mais à esquerda, também de 0 a 10).
As respostas foram cruzadas com índices econômicos de cada país: a renda per capita e o índice Gini, que estima os níveis de desigualdade econômica.
Os participantes de todos os países classificaram a posse excessiva de riquezas como algo que fica entre "não é errado de modo algum" e "moderadamente errado". Ou seja, é raro que a grande riqueza seja vista como extremamente condenável do ponto de vista ético. Ainda assim, há uma variação considerável entre os voluntários das nações participantes.
Entre a lista da MFT, a ênfase dada à igualdade e à pureza foram os fatores mais associados à condenação da riqueza excessiva. Num estudo posterior feito apenas com voluntários americanos, a equipe verificou que a preocupação com a pureza é um fator importante nesse tipo de opinião, provavelmente porque é uma atitude que condena todo tipo de excesso como algo "não saudável", incluindo o da riqueza.
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