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Chantagem americana

“A história dos impérios é a história de sua arrogância” Reinold Niebuhr, teólogo e filósofo americano

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O que foi apresentado ao mundo como uma disputa comercial entre aliados revelou-se, sem esforço, uma chantagem diplomática de rara ousadia e burrice ainda maior. Donald Trump não quer renegociar tarifas coisa nenhuma. Quer porque quer salvar Jair Bolsonaro. Nem, que para isso, tenha que destruir empresas brasileiras e levar à demissão milhares de trabalhadores, como se fossem todos brinquedos que se descartam quando a diversão acabou.

Não há mais disfarces. O presidente americano tenta instrumentalizar a política externa de seu país para proteger um aliado pessoal - e, por extensão, o que ambos simbolizam: um projeto mundial populista de extrema-direita que flerta com o autoritarismo e o fascismo, despreza instituições e se ancora no ressentimento social.

Sob o pretexto de “desequilíbrios comerciais”, Trump impôs tarifas de 50% sobre produtos brasileiros como café, carne, cítricos e aço. Essa foi a desculpa, mais do que esfarrapada. A mensagem real foi entregue em voz alta: o cancelamento das sanções depende do encerramento puro e simples de todas as investigações contra Bolsonaro e sua trupe, acusados de arquitetar uma tentativa de golpe de Estado em 2022 e uma insurreição no 8 de janeiro de 2023

O nome disso é chantagem. Política mesquinha disfarçada de comércio. Não apenas contra um líder, mas voltada contra o próprio sistema de Justiça brasileiro como um todo. E, como já dito, sem nenhuma preocupação do impacto que pode provocar na vida de milhões de pessoas.

Trump age como se o Brasil fosse um protetorado sem autonomia. Como se pudesse ditar, de Washington, os rumos de processos e ações penais que tramitam no Supremo Tribunal Federal. Como se os freios institucionais de uma democracia pudessem ser dissolvidos ao sabor de conveniências eleitorais.

Não é a primeira vez que um império tenta se impor apenas pela força, ignorando limites mínimos de razoabilidade. A história está cheia de capítulos assim - quase sempre, sombrios.

Roma, em sua decadência, não caiu por exaustão econômica, mas por arrogância estratégica. Tentou sufocar todos os “bárbaros” que ousavam prosperar fora de sua sombra. Atacou antes de ser atacada, ignorando lições de sucesso do seu próprio passado. Reagiu a todo sinal de autonomia com repressão e tarifas. Não funcionou.

Os mongóis, império relâmpago e brutal, também tentaram esmagar rivais por meio da força total, brutal. Ficaram gigantes, expandiram para uma extensão inimaginável, mas duraram pouco.

Já a Espanha dos Habsburgos, entre os séculos XVI e XVII, embriagada pelo ouro das Américas, impôs tarifas, bloqueios e bulas papais contra quem ousasse ameaçar seu domínio. Era poderosa, mas profundamente centralizadora. Resultado: foi atropelada pela Inglaterra emergente, que apostou no comércio, na marinha e nas alianças. Quando caiu, a Espanha ainda parecia intacta por fora - mas já estava corroída por dentro.

E os britânicos? Construíram um império com livre comércio e artilharia. Mas, ao verem sua influência minguar no pós-guerra, reagiram como todo império decadente: com nostalgia agressiva. Vem daí a essência do trumpismo: um saudosismo imperial embriagado de revanche. E, no caso de Trump, abstêmio como Hitler, o porre é de Coca Cola.

A Guerra Fria também ensinou. A contenção imposta pelos EUA à União Soviética não mirava apenas em segurança ou no inimigo comunista: era, sobretudo, um alerta a todo país que ousasse construir um modelo fora da órbita ocidental.

Hoje, o mesmo espírito reaparece. O Brics incomoda não pela economia, mas pela ousadia simbólica. Pelas rotas alternativas que propõe. Pela recusa em aceitar que há apenas um modelo de democracia - ou de sucesso.

Há um fator novo, e perigoso, nesta equação: Jair Bolsonaro. Não que ele seja grande coisa, mas a cruzada de Trump contra o Brasil não é apenas geopolítica. É pessoal, tem a ver com identificação de padrão e propósito.

Como se as ameaças tarifárias não fossem o bastante, mandou revogar os vistos de entrada nos EUA do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e de ministros do Supremo, como Alexandre de Moraes. Oito dos onze juízes da corte brasileira estão hoje impedidos de pisar em solo americano. Não é só. Suas famílias, também. Nada disso tem qualquer razão jurídica, nem decorre de conflito diplomático. É apenas um capricho.

A retaliação, aqui, é dupla: ao Brasil, propriamente dito, e à ideia de que a Justiça possa se impor à política - talvez embutido aí um pavor de que a coragem do judiciário brasileiro se mimetize na sua “América”. É um aviso. E um escárnio.

Trump não está agindo como estadista. Está se portando como imperador à moda antiga – desses que incendiavam cidades só para provar que podiam.

E agora? A dez dias da entrada em vigor das tarifas, a pergunta que se impõe é: onde essa briga vai dar? Há alguns cenários possíveis. Vejamos:

Cenário 1: o Brasil recua e aceita calado.
Sem retaliação, as tarifas vigoram. O consumidor americano paga mais caro por café, carne e suco de laranja. Grandes redes de varejo pressionam. O agronegócio brasileiro sente o baque, mas se reorganiza e redireciona parte da produção para China, Índia, Oriente Médio. Trump tenta capitalizar politicamente, mas o desgaste interno aumenta. Afinal, nenhum eleitor, nem o da extrema-direita, gosta de pagar mais pelo mesmo café, suco ou hamburguer.

Cenário 2: o Brasil responde na mesma moeda
Tarifa de 50% por tarifa de 50%. Trump dobra a aposta e aplica 100%. O conflito vira símbolo da disputa global entre dois mundos. A tensão sobe. O Brasil, pressionado, acelera acordos com Brics, África e Ásia. Ganha projeção global, mas perde no curto prazo. Trump, encurralado por sua própria lógica, radicaliza. Os EUA se isolam ainda mais, enquanto a América Latina, pela primeira vez em décadas, olha menos para Washington e mais para o próprio umbigo. Não por compaixão ao Brasil, mas por medo de que possam ser os próximos na fila.

Cenário 3: o Brasil retalia de forma seletiva.
Nada de espelho direto. Em vez de aplicar 50% sobre tudo, o governo brasileiro atinge setores estratégicos dos EUA: trigo, etanol, tecnologia agrícola. Mostra força, mas com cálculo. Trump responde com fúria, mas encontra resistência interna: lobbies, cafeterias, mercados, exportadores começam a chiar. A tensão vira debate eleitoral nos EUA. E o Brasil, longe de parecer fraco, assume a postura do adulto da sala, ainda que ferido.

O mais grave, no entanto, é que nenhum desses cenários comerciais - com ou sem retaliação - resolve o ponto central da questão.

Nenhum movimento de tarifa, veto ou ameaça livra Jair Bolsonaro de seu destino. Nem da Justiça brasileira. Trata-se, no fundo, de uma cruzada fadada ao fracasso. Porque não há como fingir que nada aconteceu. Que um golpe de Estado não foi tentado. Que não houve ataque às sedes dos poderes. Há confissões demais, vídeos demais, provas demais. Há generais e assessores que já entregaram a engrenagem. Documentos que mapeiam cada passo. E um país que, mesmo com suas contradições e divisões, ainda possui instituições funcionais demais para serem dobradas.

Discutam-se os efeitos comerciais à vontade. Mas o objetivo político de Trump, salvar o amigo da guilhotina judicial, é inalcançável. Se o Brasil ceder, acaba não apenas o governo, mas também as suas próprias instituições. É opção inexistente.

E é aí que mora o perigo. Porque se a História nos ensinou algo, é que impérios desesperados diante de objetivos impossíveis tendem a escalar os conflitos.

A pergunta, portanto, muda de forma. Deixa de ser “o que o Brasil fará?” e passa a ser “o que Trump fará quando perceber que não há nada que possa fazer?”

Cenário A: Trump recua
Diante da pressão interna e internacional, percebe o custo da escalada. Suspende as tarifas, nega que tenha condicionado nada a ninguém. E finge que nunca disse o que disse. É o caminho mais racional, mesmo porque ele já fez isso antes. Mas, também, é o menos provável.

Cenário B: Trump avança
Triplica as apostas. Agride economicamente, humilha diplomaticamente, radicaliza a retórica. O Brasil se torna símbolo da "resistência a Trump". O conflito se torna crônico. E o custo, incalculável, para a economia americana e, mais ainda, para a brasileira.

Cenário C: Trump ignora
Não cede, mas também não age além. Mantém as tarifas, deixa o tempo correr, espera que outros resolvam por ele. A relação Brasil-EUA entra em estado de dormência. O dano é imediato, profundo, deixa sequelas, mas pode ser administrado no tempo.

Em todos os casos, Bolsonaro permanece onde está: sob investigação e julgamento. E Trump, onde sempre esteve: refém de um projeto de poder que mistura revanche, medo e mediocridade.

O mundo, mais uma vez, assiste ao velho espetáculo de um império em crise tentando se salvar pela força da negação. O nome disso, os manuais chamam de declínio. Mas há quem insista em pintar esse colapso com as cores berrantes do heroísmo. Fingem que ruínas são muralhas.

No fim, o único império que Trump realmente tenta preservar é o da impunidade. Mas até este dá sinais de fragilidade – e de que pode desmoronar.

Corrêa Neves Jr é jornalista, diretor do portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias. Este artigo é publicado simultaneamente em toda a rede Sampi, nos portais de Araçatuba (Folha da Região), Bauru (JCNet), Campinas (Sampi Campinas), Franca (GCN), Jundiaí (JJ), Piracicaba (JP) e Vale do Paraíba (OVALE).

FONTE/CRÉDITOS: Jcnet
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