Bruna Freitas Santos, 29, estava com medo de reencontrar o ex-companheiro Bruno Rocha Campos. Ele já havia tentado atropelá-la com uma moto e dizia não querer a filha que tiveram. Na noite de 10 de setembro deste ano, voltou a ameaçá-la: se ela não fosse buscar a bebê em sua casa, mataria a criança.
Acompanhada da mãe, Bruna decidiu ir ao encontro dele. As duas foram assassinadas a facadas. Bruno, o principal suspeito do feminicídio, está foragido.
A pesquisa, baseada em dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), aponta que 166 mulheres foram assassinadas neste ano, contra 151 no mesmo intervalo do ano passado. O número é o maior para os primeiros oito meses do ano na série histórica --a lei de feminicídio foi sancionada em março de 2015.
O aumento é ainda mais expressivo na capital, que somou 43 mortes de janeiro até agosto, uma alta de 34% em relação ao mesmo período de 2024. As zonas sul e leste concentram a maior parte dos registros.
Para a pesquisadora Malu Pinheiro, do Instituto Sou da Paz, o feminicídio apresenta uma dinâmica distinta da violência urbana. "A maior parte dos casos acontece em ambiente doméstico, o que impõe uma dificuldade na atuação das forças policiais para prevenir o crime."
A maioria dos ataques ocorre dentro de casa (66%) e é cometida com objetos cortantes (51%) --armas de fogo aparecem em 16% dos casos.
Malu afirmou que, além dos casos que terminaram em mortes, as tentativas de feminicídio (quando a vítima sobrevive) também cresceram.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou no ano passado 1.492 vítimas desse tipo de crime --0,7% a mais em comparação com 2023.
O crime é descrito como de "escalabilidade", ou seja, geralmente precedido por outras formas de agressão. "A violência contra a mulher não parece estar no cerne das políticas de segurança desenvolvidas pelo governo Tarcísio [de Freitas, do Republicanos]", disse Malu, citando o congelamento de programas da Secretaria de Políticas para a Mulher, como o de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher.
A Secretaria de Políticas para a Mulher declarou, em nota, que a "execução orçamentária ocorre mediante planejamento, apresentação e aprovação da efetividade de cada projeto, garantindo o uso responsável dos recursos públicos". Também disse atuar em parceria para "ampliar ações como expansão das salas DDM [Delegacia de Defesa da Mulher] 24h, uso de tornozeleiras eletrônicas, download do APP Mulher Segura, a Cabine Lilás e o Abrigo Amigo".
Na nota, a secretaria citou como exemplo de política pública a implantação do protocolo Não se Cale, para reforçar as estratégias de proteção a mulheres em espaços públicos e privados. Outra política mencionada foi o auxílio-aluguel a vítimas de violência doméstica que tenham medida protetiva.
"As equipes dedicadas a atender as mulheres receberam o reforço de 473 policiais civis. Somente nos oito primeiros meses deste ano, 82.483 medidas protetivas foram solicitadas --alta de 14% em comparação ao mesmo período de 2024-- e 9.340 prisões foram realizadas pelas DDMs em todo o território paulista (alta de 42,1%)", declarou a Secretaria da Segurança.
A pasta mencionou investimentos em tecnologia, como o aplicativo Mulher Segura, um projeto que coloca tornozeleiras eletrônicas em agressores e a criação de espaços de acolhimento de vítimas.
Para os especialistas, não é possível saber se de fato há um aumento do número de mulheres mortas ou se há mais casos que estão sendo registrados como feminicídio.
"Não há hoje indicadores que mostrem se há crescimento real nas ocorrências ou apenas nas notificações", disse Malu. "Seja qual for o caso, a resposta do governo deveria ser mais intensa diante de um crime tão grave e essa resposta não tem vindo à altura."
Segundo a delegada responsável pelo caso, Gabriela Duó, Bruna nunca havia registrado queixa contra o ex. "Era um relacionamento marcado por condutas que a vítima nunca acha que vão se consumar, mas já havia indícios."
A delegada diz que nesse tipo de caso é comum a mulher denunciar o companheiro e ex-companheiro, mas depois recuar e retirar a queixa. "Não culpamos essas mulheres, sabemos que vivem um ciclo de violência, mas é preciso romper para evitar tragédias."
É o caso do assassinato de Maria Adelma dos Santos, 42, em 16 de setembro do ano passado. Ela foi atacada a golpes de faca quando chegava para trabalhar em uma escola no Planalto Paulista, zona sul da capital.
O principal suspeito de ter cometido o crime é o ex-companheiro dela, Fabiano Antonio da Silva, 47. O casal viveu junto por 23 anos e teve duas filhas. De acordo com relatos, Maria Adelma decidiu terminar com ele e sair de casa devido à violência psicológica que sofria, com ameaças e xingamentos.
O pedido foi negado pelo juiz Diogenes Luiz de Almeida Fontoura Rodrigues, titular da 2ª Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher --ele disse na decisão que faltaram provas de agressões contra Maria Adelma. Um mês depois, ela foi morta. Questionado sobre a negativa, o Tribunal de Justiça de São Paulo não respondeu até a publicação deste texto.
Ao chegar ao local do crime, uma das filhas, Emily dos Santos Silva, 26, reconheceu uma mochila e um molho de chaves abandonados. Pertenciam a seu pai, o ex-marido de Maria Adelma. Segundo a investigação da polícia, ele foi o autor do crime. A reportagem não conseguiu localizar sua defesa.
"Vivemos em busca de que algo seja feito. Querendo ou não, ficamos sem pai e sem mãe", diz Emily.
Ela afirma que só depois da morte da mãe soube como buscar ajuda. "A gente era leiga no assunto, só sabia de casos pela televisão. Minha mãe estava desorientada, sem proteção, vivia só pela fé mesmo e morreu. A paz que ela tanto almejava, ela encontrou só morrendo."
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