Enquanto os holofotes da política estavam voltados para o julgamento que condenaria o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela trama golpista e a disputa em torno do projeto da anistia, avançaram no Congresso Nacional nas últimas semanas oito propostas que alteram leis ambientais.
Levantamento feito pela Folha identificou que foram aprovados na Câmara dos Deputados e no Senado textos para autorizar garimpo em terras indígenas (TIs), transferir o poder de demarcação dessas áreas para os parlamentares, perdoar o desmatamento ou derrubar normas do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente).
Seis destas propostas foram aprovadas na Comissão de Agricultura da Câmara no último dia 3, segundo dia do julgamento do núcleo que comandou a trama golpista, e que acabou com a primeira condenação da história para um ex-presidente e militares por tentativa de golpe de Estado.
A proposta prevê que os indígenas devem consentir com a atividade, veda que ela seja realizada em territórios de povos isolados ou de recente contato e também barra a possibilidade de mineração industrial.
O projeto ainda permite que o garimpo seja realizado por não indígenas e determina que entre 2% e 4% do lucro seja revertido às comunidades.
Já dentre as propostas que passaram pela Comissão de Agricultura está uma que muda o procedimento da demarcação de terras indígenas.
Hoje isso passa por estudos da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que depois são chancelados pelo Ministério dos Povos Indígenas. O Ministério da Justiça então publica a chamada portaria declaratória e, por último, o presidente da República faz a homologação, que oficializa e finaliza o processo.
O projeto muda esse rito. Prevê que, após os estudos antropológicos e o reconhecimento do Ministério da Justiça, o presidente tem 30 dias para editar uma medida provisória que cria a terra indígena.
O texto prevê ainda a existência do marco temporal -tese jurídica que estabelece que a demarcação de terras indígenas só é possível se os povos originários ocupavam ou disputavam essas terras na data da promulgação da Constituição de 1988. Essa proposta já foi aprovada em outro projeto e agora está em debate no STF (Supremo Tribunal Federal).
O projeto, que ainda precisa passar por outras comissões, também determina a indenização a donos que tenham terras dentro da área demarcada (mesmo caso a propriedade nunca tenha sido usada), o travamento da demarcação em caso de invasões e proíbe a ampliação de terras já existentes.
No mesmo dia, o grupo aprovou um relatório pela rejeição de um projeto que cria uma moratória para o desmatamento e proíbe a supressão da floresta na Amazônia Legal por cinco anos. O parecer contrário não impede seu avanço por outras comissões, mas marca uma posição acerca da matéria.
A comissão aprovou também um projeto que permite a regularização de imóveis em faixa de fronteira, mesmo em áreas em que esteja em curso processo para demarcação de uma terra indígena.
Outro projeto chancelado pela comissão no dia 3 derruba norma do Ibama que exige do proprietário rural a regularização de sua fazenda para conseguir autorizações, por exemplo, de supressão de vegetação (necessária para a atividade rural) ou de exploração madeireira.
Já o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 2 -o primeiro do julgamento da trama golpista- um projeto que cria diretrizes para uso e conservação do Pantanal, mas que deixa de fora a Bacia do Alto Paraguai -principal fonte de irrigação do bioma, que sofreu recordes de seca nos últimos anos. Segundo ambientalistas, ao não incluir a região dentro das regras de proteção, o texto a deixa vulnerável à exploração e, portanto, ameaça agravar a crise hídrica desse bioma.
A frente também disse que a regularização fundiária no Brasil tem problemas estruturais de morosidade do Estado, e que as propostas impedem que o proprietário rural seja punido por isso.
As novas regras de demarcação, defende a FPA, promovem "segurança jurídica, justiça social e respeito à diversidade étnica e cultural" e permitem a regularização de imóveis em faixa de fronteira sem impactar os direitos indígenas. A bancada ruralista disse, porém, que não acompanha a proposta sobre garimpo.
Clarissa Presotti, especialista em políticas públicas do WWF-Brasil, vê um "cenário muito negativo no Congresso Nacional", às vésperas da COP30, "impulsionado por fortes interesses do agro e da mineração".
"Diversas frentes avançam no Legislativo com projetos que enfraquecem a demarcação de terras indígenas, flexibilizam regras ambientais, ameaçam o Pantanal e até permitem mineração em territórios protegidos. Somado à lei de Licenciamento Ambiental, esse conjunto de retrocessos compromete a agenda socioambiental", disse.
"O avanço dessas propostas revela um cenário extremamente preocupante: uma reedição no Congresso, na prática, da frase célebre do ex-ministro [do Meio Ambiente] Ricardo Salles de passar a boiada enquanto o país acompanha outros assuntos", afirmou.
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