Peregrinos católicos, turistas, adolescentes em excursão escolar entram na fila única que leva à lateral interna da igreja e desemboca no túmulo em parte envidraçado. De frente para a tumba, alguns sentam no banco com capacidade para dez pessoas e rezam. Uma mulher soluça ao chorar. Outros passam sem se deter, fazendo o sinal da cruz ou tocando o vidro com os dedos. Crianças se entreolham, cochicham e uma delas pergunta à professora se o que veem é de verdade ou falso.
O Santuário da Espoliação, em Assis, na Itália, atrai um número crescente de visitantes, que vão até lá para ver o corpo de Carlo Acutis, morto em 2006, aos 15 anos, por causa de uma leucemia fulminante.
A inquietação de crianças e a comoção de adultos são acentuadas pelo visual do seu corpo. Com 1,83 m, ele está vestido com blusa de moletom e calça jeans, ambos azul-marinho, e tênis Nike. Uma pele de silicone que reproduz seus traços reveste as mãos e a cabeça, coberta com fios pretos do cabelo ondulado. Do lado de fora da igreja, ouvem-se comentários impressionados sobre sua aparência.
"É muito realístico", diz o italiano Salvatore D'Amore, 26, após visitar o local em abril, quando a reportagem esteve em Assis. "Ele é um exemplo de como os jovens podem se ligar à religião", afirmou.
A brasileira Roseli Pironi, 63, saiu emocionada. "Ele está lindo vestido de moletom, me lembrei do meu filho. É um santo dos nossos dias, um exemplo para os nossos jovens", afirmou ela, que estava em peregrinação pela Itália, pelo Jubileu da Igreja Católica, que acontece a cada 25 anos.
Os brasileiros são um grupo numeroso, diz a freira carmelita Ana Lúcia, 45, baiana que vive na Itália há 14 anos e trabalha no santuário. Foi em Campo Grande (MS) que Acutis, segundo a Igreja, realizou o milagre que abriu caminho para sua beatificação, em 2020. Por meio de orações da mãe e uma relíquia de Acutis, um menino de três anos foi considerado curado em 2013 de uma malformação no pâncreas.
Responsável pela gestão do santuário, o padre Marco Gaballo afirma que Acutis foi vestido com as próprias roupas e desmente boatos de que seu corpo foi encontrado preservado quando foi exumado, em 2019.
"É falso que seu corpo estava incorrupto, é falso que tenha sido embalsamado", disse. Está em decomposição natural, ainda que lenta, por estar mantido em temperatura e umidade controladas.

Assis é uma cidade de 27 mil habitantes no centro da Itália. Principal meta do turismo religioso no país depois de Roma, é famosa por reunir em suas colinas as basílicas de São Francisco e de Santa Clara, com seus respectivos túmulos. Os dois santos medievais viveram ali e estão entre os mais populares da Igreja Católica.
Ainda que o interesse por Acutis seja grande, com 900 mil visitantes ao santuário em 2024, quase o dobro do ano anterior, não se compara com a atenção que São Francisco atrai. Patrimônio da humanidade da Unesco, com afrescos do século 13 do pintor Giotto, a basílica recebeu mais de 3 milhões de pessoas no ano passado. Separados por 800 anos, os dois santos se misturam entre os suvenires nas lojas do centro histórico, com o jovem retratado quase sempre com sua mochila.
A família de Acutis costumava passar férias em Assis e ainda hoje mantém casa na cidade. "Ele está em Assis porque, primeiro de tudo, foi um pedido de Carlo. Ele dizia que a cidade era onde se sentia mais feliz, por causa de são Francisco e santa Clara", conta o padre Gaballo.
A decisão de levar o túmulo para o santuário também tem a ver com São Francisco. Foi ali que o santo medieval teria se despido de suas roupas como gesto de renúncia total aos bens materiais. Para Gaballo, a morte precoce de Acutis também significa um ato de espoliação, com a abdicação da própria vida.
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