O aumento na frequência dos eventos extremos e os altos prejuízos causados pelos efeitos da mudança do clima no planeta têm impulsionado o debate sobre a adaptação climática - como transformar a nossa forma de viver para resistir a essa realidade.
Este é o panorama descrito por quem esteve nos Estados Unidos na última semana, tanto para a Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU) quanto para a Semana de Clima de Nova York.
Durante os debates, este tema teve um protagonismo inédito, segundo cinco autoridades e especialistas ouvidos pela Folha, além de diversos palestrantes de eventos ocorridos na cidade.
O debate deve se concentrar em identificar impactos, mensurar custos e benefícios econômicos e criar mecanismos para financiar este investimento -tudo isso em um contexto global de guerras, tarifaço e avanço da extrema direita sobre algumas potências globais.
"Eu diria que, da perspectiva do setor privado, adaptação se tornou uma área de interesse focada em oportunidade de negócios, não só riscos", afirma Jay Koh, diretor-geral do The Lightsmith Group, companhia com sede em Nova York focada em alavancar pequenos e sustentáveis negócios.
Antes, afirma ele, o mercado via os riscos da mudança climática como algo distante. A segunda etapa foi sentir e avaliar os impactos.
A terceira, contina Koh, é na qual o setor começa a entrar agora: quando as empresas se tornam capazes de, sabendo qual o prejuízo futuro, medir os benefícios de um investimento preventivo.
Com um diferencial: "A trajetória da mudança climática é mais clara e certa do que as taxas de juros, a inflação, a inteligência artificial ou o comportamento do consumidor. Então, se você entende esta trajetória, você pode começar a apostar em tecnologias e soluções para impulsionar oportunidades de investimento".
"Houve uma virada. Em anos anteriores, adaptação aparecia timidamente na agenda e nos discursos de líderes. Desta vez, entrou no centro e isso tem duas razões principais. Primeiro, porque os impactos climáticos já são parte do cotidiano. Segundo, porque a conta da inação está ficando insustentável", diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.
Um relatório da consultoria de risco Aon mostra que, no século 21, o mundo tem uma média anual de US$ 329 bilhões (R$ 1,75 tri) em prejuízos com eventos climáticos extremos. Mas, desde 2020, sempre o custo foi maior que este, tendo sido de US$ 368 bilhões (R$ 1,9 tri) em 2024.
"Países desenvolvidos normalmente tendem a estar melhor equipados para lidar com as consequências e podem reduzir as potenciais fatalidades por meio de uma preparação efetiva e estratégias de respostas", diz o relatório.
Apesar dos prejuízos e da capacidade de evitar mortes, a área de adaptação concentra a maior lacuna -US$ 359 bilhões (R$ 2,03 trilhões)- dentre todas as abordagens necessárias contra a crise do clima, segundo a ONU.
Segundo uma estimativa do Banco Mundial, cada dólar investido nesta área pode economizar dez em prejuízos futuros evitáveis.
"O grande teste é político: os países desenvolvidos têm compromissos de financiamento que expiram em 2025-26. Se não renovarem com foco em adaptação, a confiança no Acordo de Paris se esvazia. Na COP30, adaptação será a prova de credibilidade da liderança climática global", avalia também Unterstell.
"Precisamos da estrutura financeira correta. Uma plataforma que una três elementos cruciais: os meios para preparar projetos viáveis por meio de doações e suporte técnico; um fundo de 'blended finance' com recursos públicos, capital internacional e investimento privado; e um portal transparente onde projetos podem ser submetidos e acompanhados", afirma Omotenioye Majekodunmi, diretora-geral do conselho de mudança climática da Nigéria.
Mohamed Nasheed, ex-presidente das Ilhas Maldivas, lembra que a adaptação não pode ampliar o endividamento em massa de países de economia menor, que são justamente os que mais precisam destes recursos.
"Na preparação para a COP, enfatizamos a importância de implementar os indicadores globais de adaptação de forma a refletir a realidade dos SIDs", completa, em referência à sigla usada para o grupo de Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento.
Presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Ilan Goldfajn afirma que, dado o cenário atual, a instituição pretende direcionar 50% do seu financiamento climático para a área de adaptação.
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