Caso Jair Bolsonaro (PL) venha a ser condenado na Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) sem que o placar seja unânime, aumentam as chances de que o ex-presidente tenha direito a um tipo extra de recurso, os embargos infringentes, o que poderia prolongar a duração do processo.
Segundo especialistas consultados pela Folha de S.Paulo, esse tipo de recurso, cabível apenas quando há voto divergente a favor do réu, poderia reabrir o debate sobre o mérito da condenação e levar o julgamento para o plenário. Não se trata, porém, de um trâmite garantido, porque precedentes do Supremo dos últimos anos têm imposto limites adicionais ao uso desse tipo de questionamento.
O julgamento de Bolsonaro junto ao núcleo central da ação da trama golpista está marcado para começar em 2 de setembro, e, até o momento, apenas o ministro Luiz Fux tem dado indicativos de que pode ser um contraponto ao relator Alexandre de Moraes na Primeira Turma, que é formada por cinco magistrados.
Bolsonaro é réu pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.
Conforme explicam os especialistas, caso a corte siga o mesmo entendimento de um precedente de 2018, Bolsonaro precisaria de dois votos o absolvendo de pelo menos um dos crimes dos quais é acusado para que a tramitação dos embargos infringentes viesse a ser admitida. Parte deles não descarta, contudo, que o processo da trama golpista possa levar a uma rediscussão sobre tais parâmetros.
Marta Saad, advogada e professora de direito processual penal da USP (Universidade de São Paulo), explica que a lógica, neste caso, é que uma posição minoritária na turma pode acabar se tornando majoritária no pleno. "Se um juiz divergiu dos outros e decidiu a favor da defesa, esse voto pode indicar que a decisão ainda merece uma nova análise, agora por um número maior de julgadores", diz ela.
A professora avalia que o STF possivelmente seguirá o entendimento restritivo que tem tido em seus precedentes para admissão deste tipo de recurso. Ela ressalta, porém, que essas restrições vão além do que prevê o regimento da corte.
Tal documento prevê a necessidade de pelo menos quatro votos divergentes no plenário para que se possa apresentar embargos infringentes. Não especifica, no entanto, um número mínimo para as turmas.
Em 2018, ao analisar um recurso de Paulo Maluf, o plenário fixou como requisito a existência de dois votos de absolvição para o cabimento de embargos infringentes nas turmas.
Já neste ano, em ação contra o ex-presidente Fernando Collor de Mello -esta tramitando em plenário-, a corte reiterou por 6 votos a 4 que caberiam embargos infringentes apenas em caso de divergência no sentido de absolvição.
Nesta semana, Moraes citou o precedente de Maluf para negar a admissão de embargos infringentes apresentados pela defesa de Débora Rodrigues, que foi condenada pela Primeira Turma e ficou conhecida por ter pichado a estátua "A Justiça" no 8 de Janeiro. No caso dela houve um voto (Luiz Fux) pela absolvição parcial e um voto (Cristiano Zanin) divergindo da dosimetria de pena.
Apesar dos precedentes restritivos, Antonio Santoro, advogado e professor de direito processual penal da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), vê como possível um cenário em que essa linha não se mantenha.
Outro tipo de recurso possível, os embargos de declaração são reservados para situações em que a defesa entenda que houve alguma obscuridade, imprecisão, contradição ou omissão na sentença. "Nessa situação, a matéria não vai para o plenário, e o mesmo órgão que proferiu o acórdão aprecia os embargos", diz Renato Stanziola Vieira, que é advogado criminalista e doutor em direito processual penal pela USP.
Vieira aponta ainda a possibilidade de interposição de habeas corpus ao plenário da corte pela defesa após a condenação. Neste caso, porém, ressalta que o tribunal tem um entendimento bastante restritivo quanto ao uso desse meio processual.
A prisão de cumprimento de pena, por outro lado, em caso de condenação a regime fechado, só deve ocorrer após o trânsito em julgado -quando estão esgotados os recursos-, conforme jurisprudência do próprio Supremo.
O prazo para apresentação de embargos de declaração é de 5 dias, contados a partir da publicação do acórdão do julgamento, enquanto o de embargos infringentes é de 15 dias.
Rossana Leques, advogada criminalista e mestre em direito penal pela USP, explica, porém, que o tribunal pode vir a rejeitar a tramitação de um recurso caso considere que haja apenas intenção de atrasar o encerramento do processo.
"Quando o tribunal entende que os requisitos não foram preenchidos, que o recurso é incabível, ele é considerado meramente protelatório. E isso implica numa possibilidade de execução imediata da pena", diz ela.
No caso de Zambelli, a Defensoria Pública da União recorreu argumentando que seria até razoável a certificação antecipada de trânsito em julgado "em hipóteses de interposições sucessivas de vários embargos de declaração, mas não, necessariamente, da primeira interposição".
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