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Anistia: um poder do Congresso que o STF não pode limitar

No entanto, uma leitura atenta e sistemática da nossa Carta Magna leva a uma conclusão diferente.

Anistia: um poder do Congresso que o STF não pode limitar
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Recentemente, o debate sobre a anistia para crimes contra o Estado Democrático de Direito tem sido pautado por argumentos que, a meu ver, se afastam de uma análise técnica e serena da Constituição. Renomados juristas têm defendido a inconstitucionalidade de tal medida, baseando-se em supostas proibições implícitas no texto constitucional. No entanto, uma leitura atenta e sistemática da nossa Carta Magna leva a uma conclusão diferente.

Argumenta-se que, ao proibir a anistia para crimes como tortura e terrorismo, a Constituição teria, por extensão, vedado o perdão para atos que atentam contra a própria democracia. Usa-se a metáfora de que uma placa de “proibido cães” em um parque implicitamente proibiria também a entrada de ursos. O exemplo, além de reducionista, é falho. A interpretação do direito não se faz com base em metáforas simplistas, mas na análise cuidadosa do texto e de seu contexto.

Vamos aos textos normativos. No artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição, o Poder Constituinte Originário estabeleceu que certos crimes são inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos), mas não mencionou os crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Já no texto seguinte (inciso XLIV), a Constituição trata de crimes cometidos por grupos armados contra a ordem constitucional, tornando-os inafiançáveis e imprescritíveis. Veja, não há menção que seja proibida a anistia para crimes contra a ordem democrática. Se fosse realmente a intenção do Poder Constituinte proibir a anistia para crimes contra o Estado Democrático, isso teria sido feito de maneira expressa.

O silêncio do constituinte não foi um lapso. Foi uma escolha deliberada. Se a intenção fosse proibir a anistia para esses crimes, o texto seria claro e direto, como o foi para a tortura, por exemplo.

A verdade é que a anistia sempre foi um instrumento político na história do Brasil, utilizado para (suposta) pacificação social em momentos de crise. Tivemos anistias concedidas em plena democracia, como em 1956, sob a Constituição de 1946, para envolvidos em levantes militares. A anistia não é, portanto, uma invenção de regimes autoritários. E sua concessão à época não feriu a Constituição de morte.

É crucial entender que a concessão de anistia é uma prerrogativa do Poder Legislativo. São os deputados e senadores, eleitos pelo povo, que detêm a competência para, em nome da sociedade, decidir se um perdão coletivo é oportuno e necessário. Trata-se de uma decisão eminentemente política, que leva em conta a conjuntura social, a necessidade de pacificação e até mesmo a humanidade.

O Supremo Tribunal Federal (STF) não pode, a meu ver, criar proibições que não estão na Constituição. Como já defendido pelo próprio Ministro Alexandre de Moraes em outra ocasião (ADI 5874), as limitações ao poder de perdão (seja indulto ou anistia) devem decorrer da própria Constituição, e não do mérito da decisão. O STF não é o legislador. A ele cabe guardar a Constituição, não reescrevê-la ao sabor de suas próprias convicções.

Pessoalmente, sou contra a anistia para os envolvidos nos recentes ataques à democracia. Acredito que os responsáveis devem ser punidos. Contudo, minha opinião pessoal não pode se sobrepor ao que diz a lei maior do país.

Cabe a nós, cidadãos, escolher bem nossos representantes, pois são eles que tomarão decisões dessa magnitude. E, uma vez que a Constituição autoriza, o perdão político é uma prerrogativa dos eleitos. Tentar impedir o Congresso de exercer sua competência, criando uma proibição que não existe no texto constitucional, é ferir a soberania do parlamento e, em última análise, a própria democracia que se pretende proteger.

Clóvis Volpe é advogado, sócio-diretor do Moisés Volpe e Del Bianco Advogados. Professor universitário. Mestre e doutor em Direito Constitucional. e especialista em Ciências Criminais.

FONTE/CRÉDITOS: Jcnet
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