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Por que amamos 'true crime' e até idealizamos criminosos?

O true crime deixou de ser nicho e se tornou um dos pilares do entretenimento em streaming.

Por que amamos 'true crime' e até idealizamos criminosos?
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O sucesso recente da série “Tremembé” reacendeu no público brasileiro o interesse por histórias de crimes reais, um fenômeno antiquíssimo. O fascínio humano por este tema remonta à Antiguidade, quando sociedades como a grega e a romana já transformavam assassinatos, traições e julgamentos em espetáculos públicos.

Registros de tribunais eram acompanhados por multidões, e a violência passou a ser narrada como opção deentretenimento e catarse social. Na Idade Média, panfletos descrevendo execuções e crimes brutais circularam amplamente, e, a partir do surgimento da imprensa, esses relatos passaram a ser consumidos em larga escala, formando a base do que hoje conhecemos como gênero true crime.

Monster: Desejo Assassino (2003), sobre Aileen Wuornos, uma das serial killers mais notórias dos Estados Unidos; filmes e séries sobre Ted Bundy, um dos mais "charmosos" serial killers americanos; o aclamado Mindhunter, que explora a mente de diversos assassinos em série e até as produções sobre o nada glamuroso Maníaco do Parque atraem a atenção do público. O true crime deixou de ser nicho e se tornou um dos pilares do entretenimento em streaming.


Ted Bundy/ Divulgação Netflix

Popularidade 

Esse crescimento é visível em números. Entre 2018 e 2021, o gênero teve aumento de 63% na produção de documentários, segundo a Parrot Analytics. No Brasil, o consumo de podcasts cresceu 56% em 2020, e, em 2022, os podcasts de crimes reais registraram alta de 52% no Spotify. Outro dado que chama atenção é o perfil do público: as mulheres formam a maioria da audiência, com programas como Modus Operandi registrando mais de 70% de ouvintes do sexo feminino, em busca de identificação e estratégias de proteção.

Para o psicólogo Enéas Amorim, da Francisca Julia Bem Estar Mental, em São José dos Campos (SP), o fascínio não se deve apenas à mera curiosidade. Segundo ele, “acontece por uma junção de fatores como o desejo de conhecer a mente humana por trás do extermínio e a atração por aquilo que é proibido, por aquilo que não é permitido socialmente”. Ele explica ainda que “as pessoas têm o desejo inato de entender como funciona a mente humana e o que está por trás de certos comportamentos”.

Como fica nosso cérebro?

O funcionamento do cérebro não está imune ao consumo desse conteúdo. Amorim afirma que “imagens são alojadas em nosso cérebro provocando até mudanças de hábitos dependendo do impacto” e alerta que “a exposição repetida a esse tipo de conteúdo traumático pode desenvolver um sistema de alerta intenso gerando uma desregulação cerebral e até estresse pós-traumático, mesmo sem experiência direta ao trauma”. Segundo ele, o consumo constante pode deixar o espectador em estado permanente de vigilância, como se estivesse sempre se preparando para uma tragédia.

O efeito emocional do true crime é ambíguo. De acordo com o especialista, “pode ter um impacto emocional tanto negativo quanto positivo, a depender da exposição do conteúdo e da saúde mental do telespectador”, mas há riscos claros: efeitos como "ansiedade, medo, estresse e dessensibilização podem provocar a banalização da violência”. No caso do Brasil, em que a brutalidade dos casos já virou cotidiana, ele avalia que “esse fascínio pode ser ampliado, gerando uma percepção natural da violência e podendo até ser um estímulo à repetição da própria violência”.

Tremembé (2025)/ Divulgação Prime Video

Idealização de criminosos

Um dos pontos mais sensíveis é a glamourização de criminosos. Casos como Charles Manson e Ted Bundy, que recebiam centenas de cartas na cadeia, e até figuras envolvidas em crimes no Brasil viraram alvos da admiração de fãs. Amorim explica que “o fenômeno de idealização de criminosos pode ser uma característica de hibristofilia, que é uma atração afetiva ou sexual por indivíduos que cometeram crimes graves”. Ele alerta que “a romantização de tais indivíduos é problemática porque minimiza o sofrimento das vítimas, reforça narrativas perigosas e pode perpetuar ciclos de violência, colocando as admiradoras em risco”.

Para o psicólogo, o interesse por crimes fala tanto sobre criminosos quanto sobre a sociedade: “é um fenômeno multifacetado que utiliza a lente do comportamento individual extremo para refletir as complexidades, medos e valores da própria sociedade”. Em síntese, ele avalia que, em países que consomem intensamente esse tipo de conteúdo, há um espelho coletivo: “se somos um dos país que mais consomem material de violência, de alguma forma temos uma identificação com ela, seja pela experiência vivida ou pela projeção dela em nosso meio”.

Charles Manson/Divulgação Prime Video

FONTE/CRÉDITOS: Jcnet
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