O estado de São Paulo tem ampliado o número de pessoas internadas em manicômios judiciários, o que vai na contramão da média do país.
Os manicômios judiciários são apontados como graves violações de direitos humanos e há determinação para a desativação desse tipo de unidade. Eles abrigam pessoas em cumprimento de medida de segurança - cometeram crimes, mas não podem sofrer as penas cabíveis por possuírem transtornos mentais, deficiência psicossocial e serem consideradas inimputáveis.
Em dezembro de 2024, havia 993 pessoas internadas em São Paulo, segundo dados organizados pela Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), do Ministério da Justiça. O número representa alta de 30% na comparação com o fim de 2022.
Os dados da Senappen relacionados a São Paulo foram colhidos junto à SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) do estado. Hoje, a população dos manicômios é ainda maior.
A SAP informou à Folha que, em julho deste ano, o número de pacientes custodiados nas três unidades do estado subiu para 1.026.
"Internações e respectivas altas desses pacientes decorrem exclusivamente por determinação judicial", disse em nota a secretaria do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) determinou a desativação desses estabelecimentos em todo o Brasil. A ideia é ter uma transição desses internos para o tratamento em liberdade no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde), como determina a política brasileira de saúde mental.
O STF (Supremo Tribunal Federal) analisa quatro ações de inconstitucionalidade contra a resolução do CNJ, ou seja, que pedem a manutenção dos manicômios. O julgamento está suspenso após pedido de vista.
Dados do conselho apontam que cinco estados já fecharam manicômios: Ceará, Goiás, Mato Grosso, Piauí e Roraima.
Outros 14 pararam de receber novos casos: Acre, Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Rondônia.
São Paulo mantém as portas abertas de três estabelecimentos dessa natureza, dois em Franco da Rocha (na região metropolitana da capital) e outro em Taubaté (no interior). O governo Tarcísio de Freitas promete o encerramento das atividades das unidades até julho de 2026.
"As decisões frequentemente ignoram a resolução do CNJ ao desconsiderar pareceres multidisciplinares e se basear exclusivamente no atestado de periculosidade emitido pela própria instituição de internação para decidir sobre a permanência das pessoas", disse.
O TJ-SP afirmou à reportagem que as decisões envolvem análise jurisdicional especializada e sempre são baseadas em laudos e pareceres técnicos multidisciplinares, respeitando-se o devido processo legal.
Os profissionais do conselho constataram a ausência de protocolos de saúde, medicalização forçada e atuação arbitrária de agentes de segurança. O isolamento dos internos é relatado como forma recorrente de tortura, determinado muitas vezes por profissionais sem preparo técnico, segundo o relatório do conselho.
Na Penitenciária de Psiquiatria Forense da Paraíba, por exemplo, o isolamento é feito em um espaço sem iluminação, onde a pessoa permanece nua e recebe apenas alimento e medicação. A prática seria adotada após crises ou como punição por desobediência, segundo o relatório.
O documento traz ainda relatos do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Santa Catarina, de hiperssedação prolongada, com pacientes sob efeito de medicamentos por meses, sem conseguir se alimentar ou se mover. Nesse mesmo local, pessoas em internação relataram o uso recorrente de gás de pimenta por agentes.
Relatos das equipes de inspeção indicam que a contenção química tem sido usada como prática rotineira, sem justificativa clínica. Também são relatados problemas estruturais e casos de escassez de água potável.
"Todas as atividades realizadas pelos pacientes estão inseridas em um processo de reabilitação, sem função laboral, durante a vigência da Medida de Segurança", diz a nota.
Os governos da Paraíba e Santa Catarina foram procurados, mas não responderam.
"Nós defendemos que as internações nos hospitais de custódia sejam mantidas com garantia de tratamento adequado à saúde, de forma que retornem à sociedade com acompanhamento e reintegração adequada", disse.
Questionado, o Ministério da Saúde disse em nota que 32 equipes atuam exclusivamente na inclusão dos pacientes aos serviços do SUS. Entre as ações de fortalecimento, a pasta cita a criação de 139 novos Serviços Residenciais Terapêuticos, que saltaram para 956 unidades (alta de 52% com relação a 2022), e a ampliação dos leitos de saúde mental em hospitais gerais, chegando a 2.169, contra 1.894 em 2022.
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