Crianças expostas a produtos recomendados para uso adulto enfrentam riscos à saúde. Cosméticos e cremes dermatológicos podem causar reações alérgicas graves, enquanto medicamentos que contêm hormônios como testosterona e estrogênio podem desencadear o surgimento de sinais de puberdade precoce quando em contato recorrente com meninos e meninas.
A pele infantil é mais sensível e absorve substâncias com mais facilidade. Ainda em pequenas quantidades, o contato com hormônios ligados à puberdade pode causar mudanças no corpo, mesmo que a criança ainda não esteja no momento adequado para isso, afirma Luiz Cláudio Gonçalves de Castro, coordenador do Departamento de Endocrinologia Pediátrica da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).
O manual de orientação sobre cosméticos na infância da Sociedade Brasileira de Pediatria diz que a pele da criança é mais suscetível aos efeitos das substâncias presentes nesses produtos devido à sua menor espessura e maior permeabilidade e também por causa do sistema imunológico ainda em desenvolvimento.
Produtos hormonais
Para Renato Kfouri, pediatra infectologista, é quase impossível desenvolver características sexuais precoces apenas a partir do contato da pele com um hormônio, exceto se a exposição acontecer em doses altas e frequentes.
"Você precisa de meses ou anos passando o hormônio na pele da criança para que ela altere características genitais", diz Kfouri, também presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
O contato recorrente pode acontecer quando crianças usam produtos dos pais por engano, às vezes escondidas, no sentido de imitá-los. Pode ocorrer também quando os pais pegam os filhos no colo ou os abraçam logo após o uso, de forma recorrente.
Produtos à base de testosterona, hormônio sexual masculino usado por alguns homens sob prescrição médica, podem, contudo, provocar outros sinais de puberdade precoce, como espinhas, pele oleosa, pelos pubianos e irritabilidade, tanto em meninos como em meninas.
"Nos meninos, esse contato pode ainda causar aumento do tamanho do pênis, como se estivessem iniciando a puberdade. Nas meninas, pode causar o aumento do clitóris", diz Gil Guerra Júnior, diretor de Departamento de Endocrinologia Pediátrica da SBEM.
Os cremes com estrogênio, hormônio feminino, podem provocar crescimento das mamas e alterações comportamentais em ambos os sexos, de acordo com o endocrinologista.
Luiz Claudio Gonçalves de Castro diz que, se o contato repetido não for identificado e a exposição continuar, complicações mais sérias podem surgir, como o avanço da idade óssea, a interrupção precoce do crescimento e impactos emocionais. "A criança passa a apresentar características que não condizem com sua faixa etária. Isso pode gerar sofrimento, pois ela se diferencia das demais", diz o médico.
Produtos dermatológicos
Segundo Gonçalves da Castro, existem diversos produtos tópicos que podem causar reações inadequadas em crianças.
Produtos para esfoliação da pele de adultos com hidroxiácidos alfa e beta (AHAs e BHAs) também trazem riscos, acrescenta o endocrinologista. "Caso uma criança tenha contato com essas substâncias, pode haver danos à barreira cutânea, que é a primeira linha de defesa do corpo contra o ambiente, resultando em queimaduras químicas e outras lesões."
Produtos de uso diário como xampu, perfume, hidratante e creme corporal também devem ser usados com cuidado, afirma o médico.
Prevenção
Médicos dizem que cada faixa etária deve usar produtos específicos, desenvolvidos com critérios de segurança a fim de evitar problemas como irritação na pele, alergia ou desequilíbrio hormonal.
O manual da Sociedade Brasileira de Pediatria lista diversos "ingredientes questionáveis" em cosméticos de uso adulto e infantil, como parabenos, perfume e BHT, que devem ser evitados.
Gonçalves de Castro, da SBEM, diz que é fundamental que os adultos apliquem seus produtos longe das crianças, lavem bem as mãos após o uso e guardem os frascos fora do alcance dos pequenos.
Ele conclui dizendo que medicamentos hormonais devem ser utilizados apenas com prescrição médica, com orientações claras sobre riscos envolvidos. "Esse cuidado garante a segurança tanto do adulto como das crianças com quem ele convive."
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