O Brasil registrou o primeiro caso de um câncer raro associado ao implante de silicone nas mamas. A paciente, uma mulher de 38 anos, morreu após complicações da doença. Trata-se de um carcinoma espinocelular, que se soma a outros 16 casos do tipo relatados em todo o mundo.
O caso ocorreu em 2023, mas só foi divulgado no mês passado com a publicação de um estudo brasileiro na revista Annals of Surgical Oncology. A pesquisa, coordenada pelo mastologista Idam de Oliveira Júnior, sócio titular da SBM (Sociedade Brasileira de Mastologia) e coordenador do Departamento de Mastologia e Reconstrução Mamária do Hospital de Amor, em Barretos, detalha o primeiro registro da doença no Brasil e analisa os outros 16 casos relatados na literatura médica mundial.
Embora o tumor apareça na região da mama, Oliveira Júnior ressalta que não se trata de um câncer de mama. O tumor do silicone se desenvolve nas células da cápsula fibrosa que o corpo forma ao redor do implante, e não nas glândulas mamárias, apresentando comportamento diferente dos cânceres de mama.
A paciente brasileira havia passado, em 2005, por uma mamoplastia (cirurgia plástica das mamas) com implantes de silicone texturizados de 200 ml em ambas as mamas. Dezoito anos depois, em 2023, procurou atendimento com aumento no volume da mama esquerda e dor local. Antes de receber o diagnóstico de câncer, havia trocado o implante esquerdo em uma clínica, quando também foi feita a retirada da cápsula fibrosa. A biópsia revelou um carcinoma espinocelular invasivo.
Encaminhada ao centro oncológico, ela já apresentava nódulos, dor e uma lesão que ocupava toda a mama esquerda, invadindo músculos e ossos da parede torácica. A paciente passou por mastectomia (retirada das mamas), mas o câncer voltou e se espalhou. E ela morreu dez meses após o diagnóstico.
Oliveira Júnior afirma que a agressividade do carcinoma espinocelular associado a implantes está ligada ao próprio comportamento da doença e ao fato de o diagnóstico geralmente ocorrer em estágio avançado.
"O câncer se comporta de forma muito invasiva, atingindo estruturas locais rapidamente. Por isso é importante que especialistas conheçam a doença para possibilitar diagnóstico precoce, principalmente em pacientes que apresentam seromas [acúmulo de fluído] recorrentes, aumento do volume da mama ou massas palpáveis", detalha.
Gilberto Amorim, oncologista especializado em mama da Oncologia D'Or, reforça que se trata de um câncer raro. "Nos Estados Unidos e na literatura mundial, não chegam a 20 casos relatados. É importante alertar os médicos, mas não gerar alarme entre a população", afirma. Ele explica que o câncer surge em contexto de inflamação crônica da cápsula, fenômeno comum em muitas pacientes, mas que raramente leva a complicações graves.
Apesar da gravidade do caso, os especialistas destacam que a doença é rara e não deve ser motivo de alarme para pessoas com implantes. "Milhares de mulheres colocam implantes todos os anos, e a chance de ocorrência é extremamente baixa. Não há indicação de trocar próteses apenas por tempo de uso", diz Amorim.
Oliveira Júnior acrescenta que não há forma específica de prevenir o carcinoma espinocelular associado a implantes de silicone, porque a fisiopatologia exata ainda não é conhecida, ou seja, ainda não se sabe por que ela surge ou como se desenvolve. Ele reforça, porém, que o caso brasileiro não significa que as próteses não sejam seguras e que o alerta é apenas para monitoramento médico adequado.
"Nosso estudo não teve o objetivo de causar alarde nem de ser contra a utilização de implantes. A proposta foi reunir todos os casos já descritos no mundo e acrescentar o primeiro caso brasileiro, ajudando na padronização do estadiamento e tratamento da doença", acrescenta.
O carcinoma espinocelular associado a implantes foi descrito pela primeira vez em 1992. Por ser raro, os fatores de risco ainda são pouco conhecidos, mas, segundo a SBM, acredita-se que esteja ligado a irritação e inflamação crônicas da cápsula ao redor do implante. O uso prolongado de próteses e a presença de líquido podem aumentar o risco, mas a maioria das mulheres com implantes não desenvolve complicações graves.
Amorim ressalta que o conhecimento da doença é importante para mastologistas, ginecologistas e cirurgiões plásticos, para que mudanças incomuns na mama sejam investigadas precocemente.
Entre os sinais de alerta da doença estão aumento de volume unilateral da mama, dor local e acúmulo anormal de líquido ao redor da prótese. O ultrassom pode ser suficiente para identificar alterações suspeitas e, se necessário, o líquido ou tecido anormal devem ser analisados em biópsia.
Bruna Zucchetti, oncologista do Hospital Nove de Julho, diz que o tumor geralmente se manifesta por queixa de massa palpável, não sendo facilmente identificado em exames de rastreamento como a mamografia. "Para o diagnóstico, mamografia, ultrassom e biópsia são fundamentais", explica.
Quanto ao tratamento, nos tumores espinocelulares na mama é necessária cirurgia mais ampla que no câncer de mama, geralmente mastectomia sem possibilidade de cirurgia conservadora, afirma Zucchetti.
Outro tipo raro de câncer associado a implantes é o linfoma anaplásico de grandes células associado a implante mamário (BIA-ALCL, na sigla em inglês), que também se desenvolve na cápsula de tecido fibroso. Segundo estudo de Amorim, publicado em 2019 no Journal of Global Oncology, surge geralmente de 8 a 13 anos após a colocação da prótese, podendo se manifestar como acúmulo de líquido ou massa sólida. Quando limitado à cápsula, o tratamento é cirúrgico. Em casos avançados, pode ser necessária quimioterapia ou radioterapia.
Em 2019, a Anvisa suspendeu preventivamente a venda, distribuição e uso de três tipos de implantes texturizados da Allergan, após a empresa anunciar recolhimento voluntário das próteses Biocell a pedido do FDA (órgão que fiscaliza alimentos e medicamentos nos Estados Unidos), que identificou risco aumentado do linfoma. Até julho daquele ano, o FDA havia reportado 573 casos de BIA-ALCL no mundo, 481 envolvendo implantes da Allergan.
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