Agora

José Wilson

16:00 - 18:00

Notícia

Energia nuclear é segura? Entenda como funciona

Os desastres de Tchernobil e Fukushima deixaram uma marca na opinião pública
Energia nuclear é segura? Entenda como funciona
 Brasil conta com Angra 1 e Angra 2, que, somadas, produzem 2 GW de energia por ano
Brasil conta com Angra 1 e Angra 2, que, somadas, produzem 2 GW de energia por ano
 

Em meio à corrida pela transição energética e pela descarbonização de setores-chave da economia, fontes limpas têm voltado ao centro do debate. É o caso da energia nuclear, que teve um grande revés à luz do acidente de 2011 em Fukushima Daiishi, no Japão, e agora vive uma espécie de "renascimento", conforme mais países anunciam planos de extensão e construção de usinas atômicas.

Mas a matriz nuclear ainda desperta muitas dúvidas - e medo - entre a população. Entenda abaixo como a energia é gerada, quais são os sistemas de segurança que protegem os reatores e os países líderes em produção.

Como funciona a energia nuclear?
A energia nuclear é aquela derivada do núcleo de um átomo, composto por prótons e nêutrons. Quando átomos sofrem fissão (divisão em várias partes) ou fusão (junção de núcleos), ocorre a liberação de uma grande quantidade de energia. Hoje, o único método usado é a fissão, mas pesquisadores de todo o mundo estudam como viabilizar a fusão atômica para a geração de eletricidade.

 

Para que a fissão aconteça, é preciso "bombardear" o núcleo do átomo - muito rígido e estável - com um nêutron acelerado, que vai romper com o equilíbrio daquela estrutura. Depois desse choque, o núcleo se divide em dois menores e gera um excedente de nêutrons, que vão atingir outros átomos nos arredores. Tem-se, assim, uma reação em cadeia, que ocorre em uma fração de segundo. Cada vez que essa reação acontece, há a liberação de uma grande quantidade de energia térmica e radiação, muito nociva à saúde.

Na maioria das usinas, o átomo é o do urânio, um metal que pode ser encontrado em rochas de todo o mundo. Ele existe sob várias formas, ou "isótopos", que é quando um mesmo elemento apresenta massas e propriedades físicas diferentes, mas as mesmas propriedades químicas. O urânio encontrado na natureza é uma composição de seus isótopos.

Os dois principais são o urânio-238 e o urânio-235. O primeiro é o mais abundante, mas não é "físsil", ou seja, capaz de gerar a reação em cadeia do processo de fissão. O segundo é o contrário: ele representa menos de 1% de todo o urânio existente, mas é físsil. Para vencer esse paradoxo, o urânio-238 passa por um processo chamado de "enriquecimento", em que as concentrações de urânio-235 são aumentadas para um intervalo entre 3,5% e 5%.

 

"Na bomba atômica, essa concentração é de 80% a 90%, para você ver como uma coisa não tem nada a ver com a outra. São indústrias diferentes, mundialmente reguladas", afirma Felipe Gonçalves, superintendente de pesquisa da FGV Energia.

"Se uma usina de produção de energia nuclear se torna capaz de enriquecer esse urânio a 90%, ela rapidamente vai receber uma visita da Otan, da ONU, de todas as instâncias competentes que têm tratados internacionais sobre o uso de bombas atômicas."

Ainda assim, uma concentração de 5% de urânio-235 é letal para seres humanos ?o que implica um rigor técnico altíssimo. Depois de enriquecido, o urânio é colocado em pastilhas de 1 cm de diâmetro, empilhadas dentro de uma vareta de até cinco metros de altura feita de uma liga metálica de zircônio, a "zircalloy". O conjunto dessas varetas é chamado de elemento combustível e dura três ciclos (aproximadamente três anos), até ser descartado como lixo radioativo.

 

O elemento combustível é colocado dentro de um grande vaso com paredes espessas de aço, chamado de "vaso de pressão do reator". Também são inseridas barras de controle, que moderam a velocidade da fissão nuclear e possibilitam que a reação não aconteça de forma desordenada. Essas barras são feitas de aço-boro, cádmio ou háfnio, materiais que absorvem nêutrons sem sofrer fissão, e podem ser usadas para frear a reação em cadeia por completo, se necessário.

O reator é irrigado por circuitos de água. Quando a fissão acontece, o calor aquece a água que circula no circuito primário, mantida sob extrema pressão para não evaporar. Ela é usada para aquecer outra corrente por meio do calor gerado pela fissão.

A água dessa segunda corrente vira vapor e ativa uma turbina, gerando energia mecânica ?e, posteriormente, energia elétrica. O vapor, em seguida, é condensado, e a água líquida volta para o início do circuito para refrigerar todo o sistema, impedindo o aquecimento.

 

Não há emissão de gases de efeito estufa em nenhum momento do processo ?exceto nos maquinários usados para a mineração do urânio. E, para se ter ideia do potencial de geração de energia, apenas duas pastilhas de urânio são o suficiente para abastecer uma casa por um mês (152,2 kWh, em média).

Já um quilo, de acordo com a IAEA, é capaz de gerar 235.000 kWh, média de energia consumida por uma pessoa do nascimento até a morte, considerando a expectativa de vida de 72,6 anos. Para gerar essa mesma quantia, é preciso de quase 88 toneladas de carvão.

É segura?
Os desastres de Tchernobil e Fukushima deixaram uma marca na opinião pública quando o assunto é energia atômica. Os dois acidentes foram classificados com nível sete na Escala Internacional de Eventos Nucleares, o pior. Mas, para pesquisadores, são ocorrências raras ante a quantidade de usinas em atividade e dos 70 anos de uso comercial. "A mineração apresenta um risco maior do que a geração de energia elétrica nuclear", afirma Felipe Gonçalves, da FGV Energia.

 

Números associados à letalidade dessa matriz também estão entre os mais baixos, com 0,03 morte por terawatt-hora (TWh) produzida - só acima da solar (0,02) e a uma grande distância do carvão (24,60) e do petróleo (18,4). Os acidentes, ainda assim, demonstraram lacunas de segurança, que forçaram um aprimoramento das tecnologias de prevenção e contenção de acidentes.

De acordo com Gonçalves, as usinas, depois de Fukushima, foram equipadas com mecanismos de segurança ainda mais robustos, a incluir uma série de camadas protetoras entre o reator e o restante do parque atômico. Elas ainda trabalham com reatores "passivos" ?ou seja, que não precisam de acionamento ou controle humano, o que faz com que o sistema se isole automaticamente em caso de alguma atividade anormal.

Esse sistema de segurança tem nome: "defesa em profundidade". É como uma cebola, em que diversas camadas de segurança rodeiam o reator e cada uma delas opera de forma independente para garantir que, caso uma ou mais barreiras falhem, o público e o meio ambiente continuam protegidos. "Em outras palavras, a segurança não depende exclusivamente de nenhuma camada, por mais robusta que seja", diz a AIEA, em postagem institucional.

 

Além da proteção do urânio pelas varetas de zircalloy e da inserção das barras metálicas que param a reação em cadeia da fissão, são três barreiras físicas que impedem que o material radioativo vaze do reator para o restante da usina.

A primeira é o vaso de pressão do reator, que abriga e reveste matriz do combustível. No caso de Angra 1, as paredes de aço têm 33 cm de espessura, e o vaso é montado sobre uma estrutura de concreto de 5 metros de espessura. Em volta dele, há uma grande carcaça de aço que mantêm os gases ou vapores possíveis de serem liberados durante a operação do reator. Em Angra 1, esse envoltório, chamado de "contenção", tem 3,8 cm de espessura, e é o limite do sistema de controle do reator.

Depois da contenção, existe um último envoltório feito de concreto e aço, chamado de "edifício do reator". Em Angra 1, tem cerca de 1 metro de espessura. Além de evitar o escape da radioatividade caso as outras barreiras falhem, também protege o reator contra impactos externos, como um acidente de avião ou um maremoto como o de Fukushima, por exemplo.

 

Fora do reator, a usina também conta com sistemas de resfriamento rápido, que removem o calor do núcleo da fissão e impedem incêndios. Os funcionários ainda são treinados para atuar com protocolos de ação para cada evento ?do mais provável ao mais improvável. Há ainda a gestão de resíduos radioativos, regulada por órgãos governamentais e internacionais.

Assim que o elemento combustível finaliza seu ciclo de uso, ele é encaminhado para a etapa de pré-tratamento, que prepara o resíduo para o processamento correto. Nessa etapa, ele passa por triagem e segregação de itens contaminados dos não contaminados, além de ser triturado para reduzir o volume de resíduos, e, por consequência, o custo do descarte.

Depois, ele passa por um tratamento para reduzir ainda mais de volume. Partes não-radioativas são incineradas, outras evaporam, e, muitas vezes, o resíduo tem a composição alterada para ser reaproveitado para outros fins.

 

A terceira etapa, o condicionamento, armazena o restante dos resíduos de forma segura para facilitar o transporte e prevenir vazamentos. Na maior parte das vezes, são encapsulados ou solidificados em cimento, betume ou vidro, ou embalados em recipientes especiais, como piscinas cercadas por aço, chumbo e concreto. Eles ficam confinados em áreas isoladas por longos períodos de tempo, de 50 a 300 anos.

Como é o mercado global de energia nuclear?
Atualmente, os Estados Unidos lideram em número de reatores ativos, com 92, de acordo com a World Nuclear Association. A França vem em seguida, com 56 reatores responsáveis por 70% de toda a eletricidade do país. A China, hoje líder no "renascimento" das usinas com 27 em construção, completa a tríade de países com mais reatores, com 55 já operantes e planos para outros 41.

Países com mais reatores - Em 2022

 
  • EUA - 92
  • França - 56
  • China - 55
  • Rússia - 37
  • Coreia do Sul - 24
  • Índia - 19
  • Ucrânia - 15
  • Reino Unido - 11
  • Japão - 10

Fonte: Agência Internacional de Energia

Já o Brasil conta com Angra 1 e Angra 2, que, somadas, produzem 2 GW de energia por ano - o suficiente para abastecer toda a iluminação pública do país. Na matriz brasileira, porém, a energia nuclear representa apenas 1,5% do total, segundo dados da EPE (Empresa de Pesquisa Energética).

Angra 3 está 62% concluída, mas as obras seguem paradas desde 2015 devido à revisão do financiamento. A terceira unidade da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto terá potência de 1,4 GW, capaz de atender a 4,5 milhões de pessoas. A estimativa é que, com a nova usina, a fonte nuclear passe a ser 3% da matriz energética do país, segundo a Eletronuclear, controlada pela ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional).

 

Em 2022, planos para a usina foram retomados, e a licitação para contratação da empresa que vai finalizar a construção está prevista para o primeiro semestre deste ano. O setor espera que, com o governo Lula 3, os trabalhos ganhem celeridade graças ao histórico de Lula 2: em 2009, o presidente retomou a construção da usina, parada havia 23 anos.

Estudos de viabilidade técnica, econômica e socioambiental da planta atômica foram inclusos no novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), e o PNE (Plano Nacional de Energia) ainda prevê a construção de até oito novas instalações até 2050.. A aposta é pela diversificação da matriz energética: o Brasil, além de rico em fontes renováveis, também tem a oitava maior reserva de urânio do mundo, com cerca de 280 mil toneladas.

Em alguns países, porém, o dito renascimento atômico não é bem quisto. É o caso da Alemanha, que pôs fim à era nuclear e fechou as últimas três usinas no ano passado. A decisão de descomissionar as centrais de Emsland, Isar 2 e Neckarwestheim veio após o desastre de 2011 em Fukushima, e o prazo limite era 2022. O temor de insegurança energética em meio à guerra na Ucrânia, porém, forçou o adiamento por três meses e meio.

 

Mas a "morte" atômica esteve longe de ser consensual. Quem quis o encerramento das usinas apontou riscos de novos acidentes e a gestão de resíduos radioativos. Os contrários ao fechamento argumentaram que as energias eólica e solar não são confiáveis o bastante para substituírem por completo as fontes fósseis, já que dependem das condições climáticas. A produção nuclear é de funcionamento ininterrupto, ou seja, não depende do clima externo e opera de forma contínua.

Pesquisas já mostram que os alemães apoiam a energia atômica, mas o governo não mudou de posição", disse Rafael Grossi, da IAEA. Entre a população, 67% querem que as usinas voltem a funcionar, segundo pesquisa do instituto alemão Forsa. Mas ainda falta verba. "Hoje, é preciso o Estado. Não é qualquer um que pode fazer investir R$ 20 bilhões", disse.

Fonte(s): Jcnet

Comentários

Últimas notícias

09 Mai
Economia
Papa Francisco envia 100 mil euros para ajudar Rio Grande do Sul

Segundo o arcebispo de Porto Alegre, dom Jaime Spaengler, o montante será usado 'para ajudar no que for possível'

09 Mai
Economia
Anvisa suspende lotes de detergente Ypê por risco de contaminação

Agência informou que foi identificado desvio durante monitoramento da produção; segundo a fabricante

09 Mai
Economia
Caminhão dos Correios com doações para o RS tomba

O motorista sofreu ferimentos leves, mas está bem; equipes trabalharam durante a noite para recolher as doações, que já seguiram para o Sul